O uivo do lobo

Tomo um gole de café, capputino, doce e cremoso, cheirando a manhã fria e deserta num chalê desolado na Irlanda. Mas é apenas o café instantâneo de meu armário empoeirado, posto a esmo na mesa de vidro, deixando na superfície uma circular mancha marrom. Mas está bom assim. Respiro com satisfação o ar poluído ao meu redor e não me incomodo com os miados dos bichados arranhando uns aos outros logo ali perto, no sofá. Espreguiço-me na cadeira. É setembro e o clima ainda não esfriou nessa parte do país, a ilha ainda assa em brasas insistentes e minha mente enevoada se estranha com o sol. Dentro de meu coração, as brasas acalmaram-se e o cômodo está aquecido em uma vacilante temperatura que tenta com fevor se equilibrar. Bebidas quentes, caminhadas longas, conversas gentis e abraços verdadeiros ajudam, listas, horários, objetivos complementam. Aos poucos, o fogaréu incontrolável, o incêndio de proporções babilônicas encolhe-se e se retrai, esperando pelo momento certo de se deixar crescer de novo, mas dessa vez, com uma completa brigada para controlá-lo, caso o momento não seja tão certo assim.
Após beber o líquido forte, limpo a mesa e vou lavar a caneca florida, que nunca fora minha de fato, mas da qual eu me apropriara. Penso em tantas coisas no caminho. Em um sorriso brincalhão e maneiras de criança, e no lobo sombrio que uiva, uiva seu suspiro mortal para a janela do meu quarto, todas as noites, até eu adormecer. Como são dúbias, as facetas femininas. Paradoxais até. Mas isso não me confunde tanto a essa hora da manhã e eu prossigo com a tarefa. A água está fria e senti-la correr em minhas mãos me dá uma satisfação estranha.
Porém, de súbito, como que atingida por uma forte descarga elétrica, atravessa minha mente uma pontada gelada,da cabeça aos pés um calafrio se instala por todo meu corpo, fazendo-me estremecer e vacilar. O terror da surpresa me assola, como que uma presença sólida do perigo, o prelúdio de um grande tsunami que se aproxima. A caneca se espatifa na pia, e o silêncio reina indagador. Por um momento a paz matutina é rasgada. Há uma fissura no tempo.
Será assim tão tenebroso o uivo do lobo?





PS: O  que é o uivo do lobo de vocês? Ou talvez, quem? Deixem nos comentários