Caleidoscópio
A luz da televisão era um caleidoscópio frenético, vibrando luzes sobre a pele oliva. Fazia-a parecer uma joia: De uma beleza pétrea e inalcançável. Ela estava bem ali, a meros trinta centímetros de mim, e minhas mãos eram proibidas de toca-la.Não há nada mais frustrante, sinceramente.
Virei o rosto e fechei os olhos. Conseguia reproduzir sua expressão intrigada em minhas retinas, nublada pela irritante névoa da memória. Ainda assim, eu seria capaz de desenha-la sempre que quisesse, a linha reta do nariz, a curva dramática dos cílios e o leve maxilar que guiava até os densos cabelos. Até o cheiro pálido de um perfume me parecia palpável aquela altura; vinha tão fácil quanto o cheiro da minha própria cama, quanto os traços do meu próprio rosto.
A constatação foi demais. O caleidoscópio me deixava tonta e o álcool parecia ter derretido meu cérebro, o suficiente para capitalizar a estupidez mantida adormecida numa das gavetas de pensamentos perigosos. As trancas estavam oleosas e a chave deslizou fácil, deixando escapar um enxame de borboletas, nós na garganta e pupilas dilatadas. Puro veneno.
Fitei-a de novo e não mais tinha ares de joia. Irene era fumaça, esvaindo-se entre segundos, gestos ambíguos, mãos mornas e palavras de tom duvidoso. Intoxicante a longo prazo e exigindo doses pequenas. Os efeitos eram esperanças penosas e textos mais penosos ainda, além da interminável negociação da verdade que tentava fazer tudo menos penoso apenas para amaciar o que restava do meu ego.
E se nós fôssemos as últimas pessoas do mundo, ainda assim ela não me amaria do mesmo jeito?
Não? Sim? Eu digo negociável.
Reprimi a ânsia de abraça-la e voltei-me para a tv novamente. Irene não tinha movido sequer um dedo, nem parecia ter respirado, quando a mim...
Consciente da minha pequena parada no tempo e das gavetas abertas, sorri.
Um dia, Irene, um dia, quando você tiver esgotado todos os amores infalíveis, os beijos intensos, as promessas vazias e estivermos sentadas mais uma vez nesse sofá, você vai finalmente olhar para mim e ai sim.
Vou poder te tocar.
Que texto intenso e tão bem construído...! As imagens vieram fácil à minha cabeça, e sem a névoa da memória, posto que esta não era minha.
ResponderExcluirAdorei, apenas.
Abraços! Boa terça-feira para você.
As moscas na janela
MUITO OBG
ExcluirVolte sempre
eu adoro o jeito que tu escreve...
ResponderExcluirE eu adoro sua presença
Excluirai, uma das piores coisas é querer alguém e não ser recíproco.
ResponderExcluirAliás, você descreveu muito bem uma das vezes em que eu estive chapada huahua
Com amor,
♥ Bruna Morgan ♥
Olá Bruna! Nunca tive essa experiência, mas já fiquei chapada de amor platônico.
ExcluirObrigada pela visita, volte sempre <3
Muitas vezes, conservamos a esperança na reciprocidade. É o amor...
ResponderExcluirBeijão!
Blog: *** Caos ***
Sim, o amor é uma briga contínua entre o finalmente ser e o ser nunca mais. Todos nós estamos sujeitos a isso.
ExcluirBeijão!