A caixa de pandora

outubro 05, 2018
Ponha o dedo nas teclas, o sangue escorre da caixa de pandora, sujando tuas vestes sagradas e contaminando tua hipocrisia com a verdade violenta da novíssima profecia apocalíptica. Revire os olhos para a liberdade dos teus, meu grato irmão, ou lave suas mãos na água limpa da tua torneira de ouro,  cubra teus próprios olhos furados enquanto berras a plenos pulmões as tuas meias verdades, tuas incógnitas. Verde, amarelo, vermelho... Vivemos em uma dimensão monocromática. O que há são intermináveis fileiras de tonalidades de cinza, onde se pinta uma bandeira infantil, uma frase de efeito risível, meia dúzia de palavras para consolar os tolos desesperados, com sua ânsia por armas de brinquedo e bonecos de tiro ao alvo, um retrato messiânico na parede para acender uma vela e rezar, a espera de um milagre, de uma certeza, de uma razão.
Acende-se a vela, ajoelha-se, como coroinhas, como soldados, como seguidores, não como cidadãos. O oráculo prevê nosso fim, sedentos de poder e cegos de ódio, comemoramos nosso próprio encarceramento. Escolha-se entre duas celas, entre dois carcereiros, entre dois venenos, alegremente, quase em um êxtase histérico, pomos os dedos nas teclas, a caixa se abre, há confete, há fogos de artifício, há sorrisos vazios e anestesiados. Eu choro, eu me lamento, eu temo, não há catarse, dessa vez, o breu é total. Mas ainda erguemos nossos estandartes, orgulhosos e irredutíveis. Estamos salvo, avante ao futuro! Mudança! Desenvolvimento! Glória! Ordem e Progresso.
Ouve-se o primeiro tiro, cai a primeira vítima.
Dessa vez também não há inocentes. A roda viva volta a girar, Chico Buarque volta a tocar... Eu rodopio com minha saia de chita em frente aos canos de fuzil, desaparecemos feito fantasmas na história. Dessa vez também não há inocentes. Eu grito e berro na avenida, eu tenho a boca calada, eu tenho a mão algemada, eu tenho o corpo em chagas. Dessa vez também não há inocentes. Eu sumo, eu morro, eu não volto nunca mais. Dessa vez também não há inocentes. Não há mais escolhas. Dessa vez também não há inocentes. Acabou. Não há inocentes.
Ponha o dedo nas teclas, o sangue escorre da caixa de pandora, mas está tudo bem.
O sangue nunca foi seu.


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