Meu amigo Schop

Viro a página do livro, Schopenhauer, como sempre, friamente disseca o submundo da dor humana, da vontade insaciável, dos alívios momentâneos. Fecho os dedos na orelha de minha caneca, a cerâmica está gélida como o chocolate que eu saboreio ao decorrer da tarde amena. Viro a página do livro,sinto-me triste, questiono-me se minha sina haverá sempre de ser uma alternância interminável entre a ferida sangrenta e o analgésico, entre a solidão e teu beijo, entre a inferioridade e um selfie, entre o vazio e o consumo, entre a existência e a arte… Entre ser miserável e ser miseravelmente contemporâneo. Somos todos líquidos, gotejando pouco a pouco nossa alma em dólares americanos. Tende de piedade de mim! Eu adoraria ser um tola ignorante, mas aqui estou, folheando um existencialista que nenhum consolo me oferece e apenas me incomoda com suas ideias duras sobre minhas confortáveis ilusões. Gostaria de ser uma ameba, a apaixonar-me por roupas de grife, por carros importados e meia dúzia de teleguiados a paparicar-me pelos cantos com sua cacofonia elogiosa. Eu queria ser uma mulher estupidamente feliz com meu amor de cinema, meus vestidos, meus likes, meus carne, minha substância espectral! Mas nasci com um desses defeitos de alma que nos condenam a insatisfação eterna do pensar sobre aquilo que ninguém pensa. Decerto, dentre todas as coisas citadas, creio que todas me trariam algum prazer efêmero e delicioso, creio que eu seria, por alguns dias ou mesmo semanas, a epítome da alegria personificada, mas não tardaria de me entediar com meus bens - o capitalismo sempre produz novas versões de todo e qualquer objeto que possuímos - com minha fama - que é um ilusão tão podre quanto a mentira - e com as pessoas - que sendo essencialmente falhas, não são dignas de ódio ou de inveja, apenas da mais amorosa de todas as piedades. Eu, portanto, cansaria-me quase tão rapidamente quando havia me alegrado… Aos poucos, percebo que este casmurro insuportável tem certa lógica: a vida humana é um pêndulo entre a dor e o tédio, salpicado de súbitos momentos de maravilhosa fortuna. 
Consciente dessa máxima, eu beberico mais uma vez meu chocolate. São três e meia da tarde, não há muito o que dizer. Leio a última página do livro, pensativa, fecho-o com pesar e levanto-me, deixo a cadeira vazia e na límpida mesa de vidro, gotículas minúsculas de água. A cena me comove. O ser humano, ao ir, deixa atrás de si um rastro algo de estrangeiro. É uma vida de que pouco precisa e que no entanto, é com extremidade que deseja abocanhar o mundo inteiro em uma gula abissal. Há algo de vazio e ausente dentro de cada um de nós, que apenas a metafísica tenta explicar e a que todos e tudo tentam preencher, que faz de nós tão absolutamente destruídos e irrevogavelmente eternos destruidores. A clareza do raciocínio e a beleza da simplicidade são como vaga-lumes no breu da existência. Eu mal o enxergo, mas ao menos, sei que estão lá.

Um comentário:

  1. No fundo estamos todos em dor e entendiados. Ansiosos por algo que nos tire da nossa agonia.

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