Sísifo morderno

junho 30, 2019
Era Sísifo, sua pedra feita de folhas mortas, dióxido de carbono, moedas de cinco centavos, de beijos sem gosto, pesando feito vazio abismal, desses que se cava no peito e se estampa no rosto... Quantos olhos vazios, gélidos vitrais azuis, lacrimejando um trôpego resquício de reflexão. As bocas, todas escancaradas, em um berro bestial, juntando-se a cacofonia de mil e um assuntos e nenhuma coerência. Berros, berramos, e para quê? Nada se escuta. Carregamos, pois, nossas pedras, ingerimos nossa dose de força bruta, de  nosso,  emplasto de Brás Cubas, e seguimos em frente, barcos a favor da corrente. Deixamos para trás o que somos, fica somente nossa sede de algo que não sabemos se é alívio ou se é atenção. Um dia, caímos mortos no meio da rua, partimos sem legado,sem choro, sem abraço, sequer uma mudinha de planta temos de rastro e nossos gritos de besta agonizante ainda poluem a terra, competindo com o buzinar impaciente de caminhos que não chegam a lugar algum. Foi-se sísifo, levou com ele sua pedra, aquela sim, era sua única razão.

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